Blog

Para entender, conhecer e se manter informado, nosso escritório seleciona notícias comentadas para você.

16 Feb

Prevenção à lavagem de dinheiro no mercado financeiro e de capitais brasileiro

A lavagem de dinheiro é o processo pelo qual são inseridos no sistema financeiro os ganhos decorrentes de atividades ilícitas, buscando distanciá-los de sua origem. Para esse fim, diversas e sofisticadas transações são utilizadas pelos criminosos, sendo o sistema financeiro um dos principais veículos para alcance de tal objetivo.

Nos últimos anos no mundo têm-se intensificado os controles de Prevenção à Lavagem de Dinheiro – “PLD”. O que antes era encarado como uma forma de combate ao tráfico de drogas revelou-se uma ferramenta valiosa de apoio à investigação de outros crimes tão nocivos quanto o narcotráfico.

Diversas recomendações de organismos internacionais estão sendo divulgadas periodicamente devido ao alto grau de importância do assunto. Dentre as principais preocupações das autoridades no mercado financeiro brasileiro estão o combate à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e à corrupção. No Brasil, vários normativos têm sido publicados orientando as instituições financeiras para estabelecer procedimentos necessários à completa e adequada identificação de clientes, análise de movimentações financeiras, detecção de transações atípicas e comunicação aos órgãos competentes.

Ademais, os responsáveis pela regulação e autorregulação no Brasil vêm apresentando diversos estudos e recomendações aplicáveis às instituições sujeitas a observância e cumprimento das regras de Prevenção à Lavagem de Dinheiro – “PLD”, ou seja, corretoras, distribuidores, agentes autônomos de investimentos, custodiantes, asset management, private banking e rede de agências (no que se refere à distribuição de produtos regulamentados pela CVM, como, por exemplo, fundos de investimento).

É importante que as instituições estabeleçam e documentem um programa de PLD adequado ao tipo de risco de suas atividades. As políticas internas devem ser constantemente revisadas de acordo com a legislação vigente.

Desta forma, recomenda-se que o programa contenha: i) Estrutura Organizacional – autônoma e independente das áreas de negócios, abrangendo quadro funcional devidamente treinado e atualizado compatível com o porte da instituição, nomeação de responsável pelo programa e comitês com foco em PLD ou fóruns de discussão equivalentes; (ii) Política Institucional de PLD – compatível com as características dos negócios da instituição e respectiva estrutura organizacional; (iii) Procedimentos e Ferramentas – implantação e manutenção de processos de modo a assegurar a divulgação do programa por meio de manuais e veículos de comunicação interna, completude e veracidade das informações cadastrais dos clientes e validade da documentação comprobatória apresentada, consulta a listas restritivas, sites de busca e órgãos reguladores para confirmação de dados e/ou identificação de informações desabonadoras, aceitação e manutenção de relacionamentos com clientes de acordo com a categoria de risco, conhecimento de clientes, conhecimento de funcionários, monitoramento de transações e comportamentos de clientes, identificação, análise e documentação de situações atípicas, bem como comunicação às autoridades competentes, com envolvimento do diretor responsável, conforme regulamentação vigente, avaliação da exposição ao risco de lavagem de dinheiro na aprovação de produtos/serviços; (iv) Processo de Identificação de Clientes (Cadastro) – obtenção e análise dos dados cadastrais e da documentação exigida para abertura do relacionamento. As instituições devem possuir rotinas de atualização de dados cadastrais descritas em seus manuais internos e de acordo com a periodicidade definida em regulamentação vigente. A atualização dos dados cadastrais pode ser realizada via canais de atendimento (internet banking/ ATMs, central telefônica, agências, etc). Este processo deve ser evidenciado por meio de fichas cadastrais e/ou cartas assinadas pelos clientes, logs de sistemas, gravações telefônicas entre outros comprovantes de confirmação de dados; (v) Processo Conheça seu Cliente – (Know Your Customer – “KYC”) – Compete às instituições estabelecer processo de Conheça seu Cliente adequado às características e especificidades dos negócios que administram. Tal processo visa a prevenir que o cliente utilize as instituições para atividades ilegais ou impróprias. Diretrizes devem prever procedimento de “KYC”, incluindo critérios para renovação periódica, possibilidade de veto a relacionamentos devido ao risco envolvido, conhecimento da origem do patrimônio do cliente, monitoramento da compatibilidade das transações com o perfil do cliente, conhecimento da origem e destino dos recursos movimentados pelo cliente, identificação, análise, decisão e reporte das situações atípicas.

O processo de aceitação de clientes bem como o monitoramento de transações devem ser compatíveis com o perfil determinado para cada cliente, que deve levar em conta, entre outros, os seguintes critérios: (i) Localização geográfica – pessoas/empresas domiciliadas/constituídas em países considerados de alto risco; (II) Tipo de atividade/profissão – risco associado às atividades desenvolvidas pelo cliente; e (III) Tipos de serviços e/ou produtos contratados – alguns produtos possuem maior risco de serem utilizados para a prática de atos ilícitos. Cada uma das instituições deve, levando em consideração os seus controles, identificar quais produtos possui maior grau de risco.

Com base nas recomendações internacionais (Convenção das Nações Unidas contra Corrupção, 40 Recomendações do Grupo de Ação Financeira Internacional – “GAFI”, etc. ), a regulamentação brasileira determina que as instituições dispensem especial atenção a operações que envolvam as seguintes categorias de clientes: a) Pessoas Politicamente Expostas (PPE) – as instituições devem adotar como melhores esforços para identificação de PPE a solicitação da declaração do cliente sobre sua condição e consulta; b) Private Banking – contribuem ainda para o aumento do risco, os seguintes fatores: 1. abertura de diversas contas em nome de Pessoas Físicas ou Jurídicas que pertençam ao mesmo grupo econômico; 2. dificuldade na obtenção de informações a respeito de sua atividade econômica e patrimônio; e 3. dificuldade na identificação do beneficiário final das transações devido à utilização de estruturas complexas. Para entendimento da atividade de private banking é importante considerar o respectivo Código de Autorregulação; e c) Investidores não residentes – especialmente quando constituídos sob a forma de trusts e sociedades com títulos ao portador. Além dos motivos apresentados para as categorias acima, contribuem para elevar o risco dos investidores não residentes: 1. Dificuldade na identificação do próprio investidor e da origem dos recursos, de acordo com a estrutura utilizada; 2. Dificuldade de visita in loco; 3. Utilização de estruturas que envolvam jurisdições diversas que impossibilitem ou dificultem o acesso a informações; e 4. Clientes/recursos provenientes de países considerados de alto risco para lavagem de dinheiro.

É dever de todas as instituições, por si ou por meio de terceiros devidamente habilitados para prestação de serviço, a implantação de controles visando à identificação dos beneficiários finais, que podem ser entendidos como as pessoas que obterão os resultados econômicos das operações. O processo de identificação do beneficiário final pode variar de acordo com o papel exercido pela instituição em cada operação.

Nas operações processadas por meio de intermediários financeiros (locais ou estrangeiros), recomenda-se que seja aplicada a eles uma diligência específica que consiste na verificação da existência de (i) política de PLD, (ii) identificação de clientes, (iii) política Conheça seu Cliente, (iv) monitoramento de transações, (v) inspeção de órgãos reguladores, bem como de auditorias (internos/externos), (vi) comunicação de situações atípicas, entre outros que a instituição julgar necessários.

Cada instituição deverá estabelecer e formalizar em manual de procedimentos os critérios para determinar a profundidade da análise relativa à identificação do(s) beneficiário(s) final(is) e/ou de seus representantes legais.

As instituições devem adotar procedimentos, desde a contratação dos funcionários, que garantam aderência aos padrões de ética e conduta e identificar eventual envolvimento em atividades ilícitas ou de lavagem de dinheiro. É recomendável também que as instituições implementem procedimentos para a identificação de mudanças repentinas no padrão econômico de seus funcionários, alterações no resultado operacional de sua área, etc.

As instituições devem criar método para confrontar as informações cadastrais com as movimentações praticadas pelos clientes que permita a identificação de operações atípicas. Seguem exemplos de critérios que poderão ser utilizados: (i) Compatibilidade das transações com a situação patrimonial; (ii) Ocupação profissional; (iii) Oscilação comportamental em relação a volume, frequência e modalidade; (iv) Identificação dos beneficiários finais das operações; (v) Transferências e/ou pagamentos a terceiros; (vi) Transações em espécie; (vii) Clientes categorizados como Alto Risco; (viii) Pessoas Politicamente Expostas em sua totalidade; e (ix) Procuradores/Representantes legais.

O processo de análise de clientes/transações deverá ocorrer de forma regular e tempestiva, levar em consideração, entre outros, os seguintes fatores: origem e destino dos recursos; reincidência do desenquadramento de perfil; histórico de transações; relação da movimentação com o atual comportamento do mercado; notícias desabonadoras na mídia e verificação de listas restritivas.

Como resultado da análise, as situações atípicas identificadas devem ser submetidas à alçada competente que decidirá sobre a comunicação ao órgão regulador e a manutenção do relacionamento. Cuidado especial deve ser tomado quanto ao registro dos resultados das análises e decisões tomadas a partir das mesmas.

O processo de análise (critérios) deve ser formalmente descrito e divulgado para as áreas responsáveis. Após o processo de análise, toda operação atípica devidamente verificada e julgada pela alçada competente, deve ser comunicada ao órgão competente dentro do prazo e na forma previstos na regulamentação vigente. Vale ressaltar a necessidade de identificar e declarar o status do cliente PPE no momento da comunicação, caso aplicável.

Todos os registros que fundamentaram a comunicação devem ser arquivados e mantidos adequadamente. Esta comunicação tem caráter confidencial e, portanto, deve ser restrita aos funcionários envolvidos no processo de análise e não deve ser informado, por exemplo, ao cliente.

As áreas responsáveis pela prevenção à lavagem de dinheiro das instituições financeiras podem e devem possuir conhecimento, soberania e independência para a comunicação dos casos identificados como atípicos.

A legislação prevê as seguintes penalidades para o descumprimento das disposições acerca da prevenção à lavagem de dinheiro: (i) advertência; (ii) multa pecuniária variável; (iii) inabilitação temporária para o exercício do cargo de administrador; (iv) cassação da autorização para operação ou funcionamento; e (v) reclusão.

O programa de treinamento de PLD numa instituição tem a finalidade de estabelecer um canal informativo aos seus funcionários, capacitando-os em relação ao entendimento e alinhamento à cultura e política interna relativas à PLD, como também, quanto à atualização sobre os aspectos relevantes da regulamentação brasileira pertinente ao assunto e as melhores práticas adotadas no mercado internacional.

Desenvolver e promover um programa de treinamento de PLD eficiente significa viabilizar melhores condições de proteção à instituição que evitem potenciais riscos (financeiro, regulatório e reputacional).

A periodicidade do treinamento pode variar de acordo com a área e a função exercida pelo funcionário, levando em consideração a sua exposição ao risco de lavagem de dinheiro nas suas atividades. As áreas com maior exposição devem ter um programa de treinamento contínuo que pode incluir seminários, workshops, fóruns de discussão e outros cursos de especialização.

Por fim, cada instituição deve manter registro dos materiais utilizados nos treinamentos e controle efetivo de participação.

O Programa deve ser submetido periodicamente às auditorias internas e externas de acordo com o porte, complexidade e perfil de risco da instituição, para que sejam avaliados a eficácia da gestão de risco de lavagem de dinheiro, os controles e procedimentos implantados. A instituição deve ter um sistema de análise e correção das eventuais deficiências apontadas nos relatórios dos auditores como forma de melhoria contínua e de garantia do cumprimento das normas vigentes.

Add Comment